Olá, queridos leitores, tudo bem?
Não é incomum ouvirmos falar de relatos de consumidores que encontram algum corpo estranho em produtos alimentícios, sejam objetos dentro de embalagens de molhos de tomates ou até mesmo insetos dentro de garrafas de bebidas, entre tantas outras possibilidades.
Não se tem dúvidas de que essa situação, além de serem situações repugnantes que geram repulsa aos consumidores, podem também gerar problemas de saúde, caso os produtos venham a ser consumidos.
Por essa razão, o Código de Defesa do Consumidor protege os consumidores em situações como essas, e, em seu art. 12[1] traz a responsabilidade objetiva do fabricante sobre os produtos produzidos e que venham em colocar a saúde e segurança dos consumidores em risco.
Ao dizer que nesses casos a responsabilidade do fabricante é objetiva significa que independentemente de culpa, ele deve responder simplesmente por ter colocado no mercado um produto com defeito de fabricação ou de manipulação.
Essa responsabilização decorre da “teoria da qualidade” inserida no art. 8º do CDC, que dispõe que “os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores”.
A esse respeito, a doutrina de CLAUDIA LIMA MARQUES, ANTÔNIO HERMAN V. BENJAMIN e BRUNO MIRAGEM ensina que: “No sistema do CDC, leis imperativas irão proteger a confiança que o consumidor depositou no produto, na marca, na informação que o acompanha, na sua segurança ao uso e riscos normais ou que razoavelmente dele se espera, irão proteger, em resumo, a confiança que o consumidor deposita na segurança do produto ou serviço colocado no mercado (…) A dúvida, a incerteza sobre a segurança de um produto, já produzem efeitos e justificam a adoção de medidas protetivas” (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, Coord. Regina Beatriz Tavares da Silva, Ed. Revista dos Tribunais, 3ª Edição, 2010, p. 353).
Sendo assim, em casos em que o produto adquirido pelo consumidor contenha algum defeito de qualidade, é muito comum que grandes empresas alimentícias ofereçam bonificações aos consumidores ao tomarem conhecimento do ocorrido. Assim, ao ligar no SAC dessas empresas para relatar alguma característica estranha do produto, as empresas, além de recolherem o produto para análise, enviam ao consumidor outros produtos da mesma marca como forma de compensação pelo defeito encontrado no produto adquirido.
No entanto, é certo que essa atitude da empresa, pode não ser suficiente para compensar eventuais danos sofridos pelo consumidor e, ainda assim, pode ele ingressar com ação judicial pleiteando o recebimento de indenização por danos morais.
Em decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo proferida nos autos da Apelação nº 1001467-60.2014.8.26.0663, foi majorada a indenização que havia sido fixada em primeira instância de R$ 3 mil para R$ 10 mil, em ação de consumidor que havia adquirido e consumido vidros de ketchup de lote contaminado com pelo de rato, conforme noticiado pela Anvisa em 2013. Ao saber que o produto adquirido fazia parte do lote contaminado, o consumidor buscou a reparação dos danos morais por ele sofridos e teve êxito em sua demanda, porquanto aquele Tribunal reconheceu que: “o simples fato de se comprar um produto comestível, ingeri-lo e, posteriormente tomar conhecimento da suspensão do lote respectivo diante da constatação da existência de pelos de roedor em produto equivalente, já é o quanto suficiente por si só a deflagrar sentimentos de asco, nojo, repúdio, afetando, em dimensão social suficientemente relevante, a esfera dos direitos da personalidade do consumidor vitimado, ante o claro atentado à sua dignidade (…), sendo o quanto suficiente à efetiva caracterização in re ipsa do propalado dano moral. Some-se a isso o risco a que incolumidade física e psíquica do autor e de seus familiares restou exposta em razão da ilícita colocação de produto defeituoso no mercado de consumo pela ré”. (TJSP – Apelação nº 1001467-60.2014.8.26.0663, Rel. Des. Airton Pinheiro de Castro. J. 28/02/2020).
Mas, a controvérsia principal sobre esse tema é saber se é necessário que tenha havido a ingestão do produto com corpo estranho para que o consumidor tenha direito à indenização por danos morais.
A propósito, a jurisprudência do Egrégio TJSP tem admitido indenização por danos morais àqueles que efetivamente tenham ingerido produto contendo o corpo estranho, de forma que, quando o consumidor confirma não ter consumido o produto, não caberia a ele indenização por danos morais, consoante se vê nos julgados abaixo colacionados:
“Embora o fato narrado pela autora seja passível de acarretar aborrecimento e repugnância ao consumidor, o fato dela própria não ter ingerido o produto implica na improcedência do pleito de indenização por ela efetuado (…). Portanto, não tendo a apelante suportado diretamente os danos narrados, bem como não serem tais danos de natureza gravíssima, que ultrapassem a esfera personalíssima de seu filho, de rigor a manutenção da improcedência quanto à indenização por ela pleiteada” (TJSP Des. Rel. Marcos Gozzo, Apelação nº 1013224-86.2017.8.26.0000, 27ª Câmara de Direito Privado, São Paulo 12/09/2018)
“No caso, não é possível agasalhar a pretensão indenizatória porquanto, consoante se observa do conjunto probatório, notadamente as fotografias acostadas à exordial (fls. 18/24), o autor não ingeriu o produto que continha o corpo estranho, deixando, também, de demonstrar, quantum satis, que consumiu outras bolachas do mesmo pacote. Vale dizer, não havendo a ingestão de produto deteriorado ou que apresente corpo estranho, não há que se falar em danos à esfera extrapatrimonial, configurando hipótese de mero dissabor vivenciado pelo consumidor” (TJSP Des. Rel. Renato Sartorelli, Apelação nº 1007159-75.2016.8.26.0079, 26ª Câmara de Direito Privado, São Paulo 05/04/2018)
Nessa mesma linha, a jurisprudência do STJ está consolidada no sentido de que há dano moral na hipótese em que o produto de gênero alimentício é consumido, ainda que parcialmente, em condições impróprias, especialmente quando apresenta situação de insalubridade oferecedora de risco à saúde ou à incolumidade física, sobretudo porque “o sentimento de repugnância, nojo, repulsa que […] poderá se repetir toda vez que se estiver diante do mesmo produto”, dando ensejo a “um abalo moral passível de compensação pecuniária”. (STJ, REsp nº 1.252.307/PR, Terceira Turma, DJe 08/08/2012). De fato, grande parte do dano psíquico advém do fato de que a sensação de ojeriza “se protrai no tempo, causando incômodo durante longo período, vindo à tona sempre que se alimenta, em especial do produto que originou o problema, interferindo profundamente no cotidiano da pessoa” (REsp nº 1.239.060/MG, Terceira Turma, 18/05/2011).
Contudo, em julgado mais recente, a Min. Nancy Andrighi passou a admitir a indenização por danos morais, mesmo na hipótese de o produto com corpo estranho não ter sido consumido:
“Apesar da divergência jurisprudencial no âmbito desta Corte e com todo o respeito à posição contrária, parece ser o entendimento mais justo e adequado à legislação consumerista aquela que dispensa a ingestão, mesmo que parcial, do corpo estranho indevidamente presente nos alimentos. (…) Na hipótese, é indubitável que o corpo estranho contido no interior do recipiente da cerveja – uma carteira de cigarros – sujeitou-o à ocorrência de diversos tipos de dano, seja à sua saúde física, seja à sua integridade psíquica. O consumidor foi, portanto, exposto a grave risco, o que torna ipso facto defeituoso o produto. De todo o exposto, deflui-se que o dano indenizável decorre do risco a que fora exposto o consumidor. Ainda que, na espécie, a potencialidade lesiva do dano não se equipare à hipótese de ingestão do produto contaminado (diferença que necessariamente repercutirá no valor da indenização), é certo que, conquanto reduzida, aquela também se faz presente na hipótese em julgamento” (STJ – REsp nº 1.801.593, Rel. Min. Nancy Andrighi. Dj 13/08/2019).
Destarte, em que pese se tratar de tema ainda bastante controvertido na jurisprudência, o dever de indenizar em caso de defeito do produto – ou seja, quando, por vício de qualidade, a sua ingestão puder colocar em risco à saúde e à segurança do consumidor -, deve ser analisado de forma individualizada (de acordo com as peculiaridades do caso concreto), uma vez que há situações em que o objeto encontrado no produto é tão repugnante (como, por exemplo, um inseto) que, mesmo que não tenha havido a ingestão do produto, a repugnância, o nojo e a repulsa do consumidor àquele produto é indiscutível, devendo ser o consumidor indenizado pelos danos morais daí decorrentes. De outra banda, há situações em que o objeto encontrado no produto pode ser um pedaço da própria embalagem e que poderia ser facilmente perceptível aos olhos do consumidor, de modo que a sua retirada não impediria o consumo daquele produto e sem colocar em risco a sua saúde, situação em que o dano moral não se justifica por não ter havido exposição de risco ao consumidor.
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Até o próximo post!
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[1] “Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.”