A multa diária e a proporcionalidade do valor arbitrado

Olá, queridos leitores, tudo bem?

Em continuidade ao artigo anterior, quando falamos sobre a possibilidade de cumulação da multa diária com o dano moral, gostaria de partilhar com vocês nesse artigo outra importante discussão sobre esse tema que é a proporcionalidade da multa diária fixada nas decisões judiciais que condenam o devedor a alguma obrigação de fazer ou não fazer.

Como vimos no outro artigo, a multa diária (conhecida também como astreintes) é um instrumento cominatório e coercitivo para induzir o devedor ao cumprimento da obrigação e da decisão judicial, nos termos do decido pelo STJ (REsp 1.714.990[1]).

No entanto, diante da recalcitrância de alguns devedores em cumprirem a obrigação que lhe foi imposta, mesmo após decisão judicial impondo-lhe a pena da multa diária para o não cumprimento, por vezes, os valores dessa multa (acumulada pelo período de descumprimento) chega a patamares bem elevados, fazendo com que os devedores (que se recusaram a cumprir a decisão judicial), então, formulem pedido para a redução do valor total da multa, sob a alegação de ter se tornado excessivo, nos moldes do definido no art. 537, §1º[2] do Código de Processo Civil (CPC).

Nesse ponto, a doutrina nos ensina que o valor da multa diária deve atingir um “montante tal que concretamente influa no comportamento do demandado – o que, diante das circunstâncias do caso (a situação econômica do réu, sua capacidade de resistência, vantagens por ele carreadas com o descumprimento, outros valores não patrimoniais eventualmente envolvidos etc.), pode resultar em quantum que supere aquele que se atribui ao bem jurídico visado” (TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer e sua extensão aos deveres de entrega de coisa. São Paulo: RT, 2003, p. 248/254).

Da mesma forma, o STJ afirma que “o valor das astreintes deve ser elevado o bastante para inibir o devedor que intenciona descumprir a obrigação e para sensibilizá-lo de que é financeiramente mais vantajoso seu integral cumprimento. De outro lado, é consenso que seu valor não pode implicar enriquecimento injusto do credor” (REsp 793.491/RN, 4ª Turma, DJe de 06/11/2006; REsp 1.060.293, 3ª Turma, DJe de 18/03/2010), admitindo, assim, a redução do valor das astreintes quando a sua fixação ocorrer em valor muito superior ao discutido na ação judicial em que foi imposta, a fim de evitar possível enriquecimento sem causa (AgRg no AREsp 516.265/RJ, 4ª Turma, DJe de 26/8/2014; AgRg no AREsp 363.280/RS, 3ª Turma, DJe de 27/11/2013; e REsp 947.466/PR, 4ª Turma, DJe de 13/10/2009).

Com base nesses fundamentos, tornou-se comum que algumas empresas, rés nessas ações, deixassem de cumprir reiteradamente a decisão judicial, parecendo não se importar com a ordem judicial e nem muito menos com a vitória obtida pelo autor daquela ação, para que, posteriormente, passassem a alegar que o valor tornou-se excessivo e pleiteassem a redução desses valores, sob a alegação de que o valor teria se tornado superior ao valor da obrigação principal.

Aliás, no julgamento do REsp 1.475.157/SC (3ª Turma, DJe de 18/09/2014), o relator teceu expressamente considerações acerca desta eventual conduta, bem como de suas consequentes implicações:

“Ocorre, todavia, que esse não é o único e nem o mais eficaz critério a ser adotado no exame dos pedidos de redução do valor fixado a título de astreintes, notadamente em situações semelhantes a dos presentes autos, em que pessoas físicas, jurídicas e grupos econômicos dotadas de boa situação econômico/financeira e, portanto, capazes de pagar a multa fixada, adotam a perversa estratégia de não cumprir a decisão judicial, deixando crescer o valor devido em proporções gigantescas, em relação ao valor que originou a execução, para ao final bater às portas do judiciário postulando a revisão daquela quantia, transferindo ao órgão jurisdicional, até mesmo a este Tribunal Superior, responsabilidade que era sua, sob o fundamento de que o pagamento do montante inviabiliza sua saúde financeira e enriquecimento ilícito do credor, fundamentos principais de tais pedidos de redução”.

De fato, se utilizado apenas o critério de comparação do valor das astreintes com o valor da obrigação principal, corre-se o risco de estimular a conduta de recalcitrância do devedor em cumprir as decisões judiciais.

Para se evitar essa situação, outro parâmetro passou a ser utilizado pelo STJ, o qual consiste em aferir a proporcionalidade e a razoabilidade do valor diário da multa, no momento de sua fixação, em relação ao da obrigação principal:

Assim, verificado que a multa diária foi estipulada em valor razoável se comparada ao valor em discussão na ação em que foi imposta, a eventual obtenção de valor total expressivo, decorrente do decurso do tempo associado à inércia da parte em cumprir a determinação, não ensejaria a sua redução. Nessa linha de raciocínio, o valor total fixado a título de astreintes somente poderá ser objeto de redução se a multa diária for arbitrada em valor desproporcional e não razoável à própria prestação que ela objetiva compelir o devedor a cumprir, mas não em razão do simples montante total da dívida” (REsp 1.475.157/SC, 3ª Turma, DJe de 18/09/2014).

Diante disso, apesar de ser questão polêmica e longe de estar pacificada nos tribunais, as empresas que demoram ou se recusam a cumprir as decisões judiciais devem cuidar para que os valores da multa por descumprimento não venham a atingir valores vultosos, uma vez que, como vimos alhures, há uma corrente no STJ no sentido de negar os pedidos de redução desses valores, máxime quando os mesmos foram fixados em patamar razoável e proporcional ao valor da obrigação principal, considerando, assim, que só atingiram elevadas quantias por conta da recalcitrância por parte da empresa em cumprir a decisão judicial.

 

E, você, concorda que os valores da multa diária sejam mantidos mesmo que atinjam elevadas quantias? Escreve abaixo nos comentários.

Até o próximo post!

 

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[1] “A multa cominatória é instrumento processual adequado à busca de maior efetividade da tutela jurisdicional, funcionando como mecanismo de indução do devedor ao cumprimento da obrigação e da própria ordem judicial. Não se trata, portanto, de um fim em si mesmo, de modo que seu valor não pode tornar-se mais interessante que o próprio cumprimento da obrigação principal”. (STJ – REsp 1.714.990/MG – Rel. Min. Nancy Andrighi. DJ 16/10/2018).

[2] Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.

§ 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:

I – se tornou insuficiente ou excessiva;

II – o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.

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