Olá, queridos leitores, tudo bem?
Como já vimos aqui no blog, o artigo que rege o vício do produto é o art. 18 do CDC[1]. De acordo com tal dispositivo, é possível perceber que o vício pode ser de qualidade ou quantidade que torne o produto impróprio ou inadequado para o consumo a que destinam ou que lhe diminua o valor, assim como aquele decorrente de disparidade, com a indicação constante no rótulo, na embalagem ou na mensagem publicitária.
Nessas hipóteses, os fornecedores que participaram da cadeia de consumo (ou seja, fabricante, importador, comerciante, distribuidor) respondem solidariamente perante o consumidor.
Mas, afinal, o que quer dizer SOLIDARIEDADE das empresas que integram a cadeia de consumo?
O princípio da solidariedade previsto no Código de Defesa do Consumidor é aquele que permite ao consumidor escolher quem ele irá acionar em caso de vício no produto, de modo que ele poderá optar por entrar em contato com a loja onde ele comprou o produto, com a assistência técnica ou diretamente com o fabricante, ou até mesmo com qualquer outra empresa que integrou a cadeia do consumo.
Cláudia Lima Marques bem observa que a organização dessa cadeia de fornecimento “é responsabilidade do fornecedor (dever de escolha, de vigilância), aqui pouco importando a participação eventual do consumidor na escolha de alguns entre os muitos possíveis”, concluindo ser “impossível transferir aos membros da cadeia responsabilidade exclusiva”. A autora prossegue afirmando que “a legitimação passiva se amplia com a responsabilidade solidária e com um dever de qualidade que ultrapassa os limites do vínculo contratual consumidor/fornecedor direito” (Comentários ao código de defesa do consumidor. Arts. 1º a 74 – Aspectos materiais. São Paulo: RT, 2003, pp. 249 e 288).
Tal princípio, aliás, já está pacificado no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que já reconheceu que todos os integrantes da cadeia de consumo respondem, perante o consumidor, pelos vícios do produto:
“AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. COZINHA PLANEJADA. RESPONSABILIDADE DOS INTEGRANTES DA CADEIA DE FORNECIMENTO. SÚMULA 83 DO STJ. (…) A jurisprudência pacífica desta Corte orienta acerca da responsabilidade solidária de toda a cadeia de fornecimento pela garantia de qualidade e adequação do produto perante o consumidor. Precedentes. Incidência da Súmula 83/STJ.” (STJ – AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.183.072 – SP (2017/0258478-5), RELATORA : MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI, DJ 02/10/18).
A finalidade desse princípio, e desse entendimento pacificado do STJ, é facilitar a defesa dos direitos do consumidor, ou seja, é permitir que ele escolha qual empresa irá acionar judicialmente, caso precise entrar com uma ação judicial, não tendo a obrigatoriedade de incluir todos os fornecedores no polo passivo da ação.
O fundamento para a solidariedade é o art. 34 do CDC, o qual prevê a teoria da aparência, que impõe ao fornecedor do produto ou serviço a responsabilidade solidária por ato de seus prepostos ou representantes autônomos.
Ao comentar o dispositivo em questão, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin lembra que “não são poucos os casos em que o consumidor lesado fica totalmente impossibilitado de acionar o fornecedor – beneficiário do comportamento inadequado de um de seus vendedores – sob o argumento de que estes não estavam sob sua autoridade, tratando-se de meros representantes autônomos”. O autor, no entanto, salienta que “agora, a voz do representante, mesmo o autônomo, é a voz do fornecedor e, por isso mesmo, o obriga” (Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 251).
Conclui-se, pois, que, diante da teoria da aparência, o critério de escolha é do próprio consumidor, podendo ele optar por exercitar sua pretensão contra todos ou apenas contra alguns desses fornecedores, conforme sua comodidade e/ou conveniência.
Entretanto, reconhecida a solidariedade de todos os integrantes da cadeia de consumo, necessário se perquirir se essa solidariedade de que trata o art. 18 do CDC impõe ao comerciante a obrigação de coletar e reparar os produtos nela adquiridos e que apresentem defeitos de fabricação (vício oculto de inadequação).
Sobre o tema, RIZZATO NUNES ensina que o consumidor poderá optar por levar o aparelho à loja, à assistência técnica ou diretamente ao fabricante (os fornecedores do caput do art. 18), sendo que qualquer deles terá até 30 dias para efetuar o conserto (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 332).
Na mesma linha de raciocínio está o entendimento perfilhado por ARRUDA ALVIM para quem o consumidor, em razão da solidariedade passiva, tem direito de exigir e receber de um ou alguns daqueles que intervierem nas relações de fornecimento, parcial ou totalmente, a sanação do vício ou, esta não sendo levada a efeito, quaisquer das alternativas oferecidas no parágrafo primeiro do art. 18 (Código do Consumidor anotado. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 144).
Contudo, nesse ponto, o Superior Tribunal de Justiça vinha entendendo que o consumidor deveria, nesse caso, procurar diretamente a fabricante e/ou sua assistência técnica, não tendo o comerciante responsabilidade sobre o reparo do produto (vide REsp 1.411.136/RS[2]).
Ocorre, porém, que, revendo esse posicionamento, recente julgado do STJ passou a entender também que o comerciante, mesmo nesses casos, teria responsabilidade solidária, passando a admitir, assim, que a recusa do comerciante em receber o produto para enviá-lo à assistência técnica para reparo, seria conduta abusiva. Senão vejamos:
“Por estar incluído na cadeia de fornecimento do produto, quem o comercializa, ainda que não seja seu fabricante, fica responsável, perante o consumidor, por receber o item que apresentar defeito e o encaminha-lo à assistência técnica, independente do prazo de 72 horas da compra, sempre observado o prazo decadencial do art. 26 do CDC. Precedente recente da Terceira Turma desta Corte”. (STJ – REsp 1.568.938, Rel. Min. Moura Ribeiro, DJ 25/08/2020).
Dessa forma, oportuno concluir que, conforme recente entendimento do STJ, a tendência é que seja reconhecida a solidariedade do comerciante, mesmo para fins de envio do produto à assistência técnica para reparo de eventual vício, de modo que eventual recusa por parte do comerciante em receber o produto e intermediar o reparo para o consumidor, pode lhe trazer consequências negativas, como indenizações e multas perante os órgãos de defesa do consumidor.
E, você, conhecia a solidariedade do comerciante? Deixe seu comentário abaixo e vamos juntos repensar o Direito do Consumidor.
Até o próximo post!
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[1] Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
[2] “(…) A assistência técnica é caracterizada pela especialização do serviço prestado, com finalidade de correção de vícios de produtos comercializados. Sua organização eficaz e eficiente concretiza a proteção do consumidor em razão de produtos viciados postos no comércio, bem como o direito de reparação do vício no prazo legal de 30 dias garantido aos fornecedores e seus equiparados. Disponibilizado serviço de assistência técnica, de forma eficaz, efetiva e eficiente, na mesma localidade do estabelecimento do comerciante, a intermediação do serviço apenas acarretaria delongas e acréscimo de custos, não justificando a imposição pretendida na ação coletiva”. (STJ – REsp. 1411136, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze. DJ 24/02/2015).