Olá, queridos leitores, tudo bem?
Na prática, é comum que as pessoas e até mesmo os advogados mencionem as palavras “vício” e “defeito” do produto como se fossem sinônimas. Contudo, o Código de Defesa do Consumidor deixa claro que elas não representam a mesma situação, demonstrando, assim, que cada uma tem o seu próprio significado.
Mas, afinal, qual seria a diferença entre vício e defeito do produto?
O vício é o problema que surge no produto e que impede o seu perfeito funcionamento ou que torne o produto impróprio para o consumo. É o caso, assim, da geladeira que não refrigera ou do livro que foi entregue faltando páginas.
Nesse caso, o artigo que rege o vício do produto é o art. 18 do CDC[1]. De acordo com tal dispositivo, é possível perceber que o vício pode ser de qualidade ou de quantidade, que torne o produto impróprio ou inadequado para o consumo a que destina ou que lhe diminua o valor, assim como aquele decorrente de disparidade, com a indicação constante no rótulo, na embalagem ou na mensagem publicitária.
Segundo o §6º do art. 18, são considerados impróprios para o consumo:
I – os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos;
II – os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação;
III – os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.
Nessas hipóteses, os fornecedores que participaram da cadeia de consumo (ou seja, fabricante, importador, comerciante, distribuidor) respondem solidariamente perante o consumidor, os quais nos termos do §1º do art. 18 do CDC, tem o prazo de 30 (trinta) dias para sanar o vício do produto. Não sendo o vício sanado nesse prazo, o consumidor poderá exigir alternativamente e à sua escolha:
I – a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;
II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III – o abatimento proporcional do preço.
No entanto, esse prazo de 30 dias pode ser ampliado ou reduzido por acordo entre as partes (§2º do art. 18 do CDC), como também o consumidor pode exigir o uso imediato de uma das alternativas do §1º acima descritas quando, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial, nos termos do §3º do art. 18 do CDC.
Aliás, esse foi o fundamento para a decisão recentemente divulgada pelo site do TJMS (https://tjms.jus.br/noticias/visualizarNoticia.php?id=58328), proferida pelo juiz José de Andrade Neto, da 14ª Vara Cível da Comarca de Campo Grande, que julgou parcialmente procedente a ação movida por um cliente que adquiriu motocicleta zero km com defeito, condenando a concessionária e a fabricante a substituir o produto defeituoso, por outro equivalente, mediante a complementação da diferença pelo autor entre o valor atual da moto e o valor de um mesmo modelo novo, além da condenação das rés ao pagamento de R$ 5 mil por danos morais, nos seguintes termos:
“Não há como negar que a motocicleta adquirida pelo autor trata-se de bem essencial, na medida em que consta dos autos a CNH do requerente dando conta de que exerce atividade remunerada na condição de condutor de motocicletas. Em casos tais, onde estão devidamente comprovados os defeitos no produto bem como a sua característica de essencialidade, as faculdades elencadas no §1º, do art. 18 do CDC, tornam-se possíveis de serem exercidas pelo consumidor de forma imediata, sem necessidade de submissão do produto para reparos. (…) No caso em apreço estão presentes duas hipóteses em que o consumidor encontra-se dispensado de submeter o produto para ser reparado, na medida em que o bem realmente trata-se de bem essencial, utilizado pelo autor para trabalho, bem como pelo fato de estar presente a indiscutível desvalorização da motocicleta, em razão da substituição do chassi e consequente remarcação no documento de registro”.
O vício no produto pode ser, ainda, oculto ou aparente. O vício aparente é aquele que pode ser facilmente constatado, que é visível, enquanto que o vício oculto é aquele que só será constatado após certo tempo de uso. Em ambos os casos, porém, há um prazo (decadencial) para o consumidor reclamar perante os fornecedores, que, na forma do art. 26 do CDC, será de 30 dias em caso de produtos não duráveis e de 90 dias para produtos duráveis. No caso do vício aparente esse prazo começa a fluir a partir do recebimento do produto, enquanto que no caso do vício oculto o prazo começa a correr com a constatação do vício.
Por outro lado, o defeito do produto, também denominado como fato do produto, é aquele que coloca em risco a saúde e/ou a vida do consumidor, nos termos do art. 12 do CDC[2]. É o caso, por exemplo, do aparelho de televisão que explode causando (ou podendo causar) ferimentos nos moradores da residência, ou do alimento que possuía corpo estranho e que foi consumido por alguém da família.
De acordo com tal dispositivo, nota-se que o fabricante, o construtor, o produto ou o importador são considerados responsáveis solidariamente, os quais, contudo, nos termos do §3º do art. 12, não serão responsabilizados quando provar:
I – que não colocou o produto no mercado;
II – que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
III – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Ademais, outra diferença entre esse dispositivo que rege o acidente de consumo e o art. 18 que dispõe sobre as regras do vício do produto é que, enquanto nesse caso, o comerciante é solidariamente responsável perante os outros fornecedores, quando se fala em defeito do produto a responsabilidade do comerciante é subsidiária, de modo que ele só será responsável, na forma do art. 13 do CDC, quando:
I – o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;
II – o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;
III – não conservar adequadamente os produtos perecíveis.
Além disso, no caso do defeito do produto, o prazo prescricional para o ajuizamento da ação reparatória será de 5 (cinco) anos, nos termos do art. 27 do CDC.
Nesse ponto, oportuno transcrever o ensinamento doutrinário pontuando as diferenças entre o art. 26 e 27 do CDC:
“A fim de ilustrar e de fixar a aplicação do prazo, vejamos tudo o que aqui foi exposto, tomando como exemplo aquele caso do ferro de passar roupas que explode quando manejado pelo seu adquirente. Se o ferro explode, mas não atinge nem fere ninguém, estará presente o vício do produto. Nessa hipótese, o consumidor poderá pleitear do comerciante ou do fabricante (solidariedade) um eletrodoméstico novo. O prazo para tanto é decadencial de noventa dias, nos termos do art. 26 do CDC. Entretanto, se nessa mesma situação o eletrodoméstico explode e atinge o consumidor, causando-lhe danos morais e estéticos, estará presente o fato do produto ou defeito. Na situação descrita, a ação indenizatória deverá ser proposta, em regra, em face do fabricante e no prazo prescricional de cinco anos a partir da ocorrência do fato ou da ciência de uma séria deformidade pelo consumidor (art. 27 do CDC).” (TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor: Direito Material e Processual, Volume Único. 9. ed., Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020, p. 159).
Da mesma forma, o julgado abaixo do STJ esclarece também essa diferenciação:
“CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE PELO FATO OU VÍCIO DO PRODUTO. DISTINÇÃO. DIREITO DE RECLAMAR. PRAZOS. VÍCIO DE ADEQUAÇÃO. PRAZO DECADENCIAL. DEFEITO DE SEGURANÇA. PRAZO PRESCRICIONAL. GARANTIA LEGAL E PRAZO DE RECLAMAÇÃO. DISTINÇÃO. GARANTIA CONTRATUAL. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DOS PRAZOS DE RECLAMAÇÃO ATINENTES À GARANTIA LEGAL. – No sistema do CDC, a responsabilidade pela qualidade biparte-se na exigência de adequação e segurança, segundo o que razoavelmente se pode esperar dos produtos e serviços. Nesse contexto, fixa, de um lado, a responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço, que compreende os defeitos de segurança; e de outro, a responsabilidade por vício do produto ou do serviço, que abrange os vícios por inadequação. – Observada a classificação utilizada pelo CDC, um produto ou serviço apresentará vício de adequação sempre que não corresponder à legítima expectativa do consumidor quanto à sua utilização ou fruição, ou seja, quando a desconformidade do produto ou do serviço comprometer a sua prestabilidade. Outrossim, um produto ou serviço apresentará defeito de segurança quando, além de não corresponder à expectativa do consumidor, sua utilização ou fruição for capaz de adicionar riscos à sua incolumidade ou de terceiros. – O CDC apresenta duas regras distintas para regular o direito de reclamar, conforme se trate de vício de adequação ou defeito de segurança. Na primeira hipótese, os prazos para reclamação são decadenciais, nos termos do art. 26 do CDC, sendo de 30 (trinta) dias para produto ou serviço não durável e de 90 (noventa) dias para produto ou serviço durável. A pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou serviço vem regulada no art. 27 do CDC, prescrevendo em 05 (cinco) anos. (…)” (STJ – Resp nº 967.623, 3ª Turma, Ministra Relatora Dra. Nancy Andrighi, Data do Julgamento: 16/04/2009).
Dessa forma, oportuno concluir que as diferenças entre vício e defeito do produto vão muito além de mera semântica das palavras e possuem consequências práticas, tanto em relação à responsabilidade dos fornecedores, quanto ao prazo que o consumidor terá para reclamar.
E, você, concorda conhecia as diferenças entre vício e defeito do produto? Deixe seu comentário abaixo.
Até o próximo post!
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[1] Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
[2] Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
§ 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I – sua apresentação;
II – o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III – a época em que foi colocado em circulação.
Ola.
Vi seus textos sobre direito do consumidor e resolvi enviar um email para esclarecimentos e direção sobre iniciativas e procedimentos.
Meu celular apresentou defeito, depois de 1 ano e 3 meses onde parou de carregar.
Pesquisando percebi que poderia se consider como vício de fabricação.
O produto adquirido como sendo os mais moderno de sua categoria, durou pouco mais de um ano.
Assim, em se tratando de vício oculto não decorrente do desgaste natural gerado pela fruição ordinária do produto, mas da própria fabricação.
Mesmo estando 3 meses após fim de garantia, o prazo para reclamar a reparação se inicia no momento em que ficar evidenciado o defeito, mesmo depois de expirado o prazo contratual de garantia, devendo ter-se sempre em vista o critério da vida útil do bem, que se pretende ´durável´.
*Texto retirado da fonte:
https://jus.com.br/amp/artigos/45835/o-direito-do-consumidor-apos-o-prazo-da-garantia-saiba-mais#contact-author
Respaldada pelo direito do consumidor após o prazo da garantia, desejo abrir essa denúncia/reclamação, após inúmeros contatos com a empresa e o recuso do reparo do aparelho.
Além do transtorno de ter o celular descartável e problemas na rotina de trabalho (uso celular coo ferramenta de trabalho).
Como posso proceder? Tenho direito?