É possível limitar os valores dos danos morais para os passageiros de voo internacional?

Olá, queridos leitores, tudo bem?

 

Na última semana publiquei nas minhas redes sociais uma notícia extraída do site do STJ, com o seguinte título: “Para a terceira turma, dano moral a passageiro de voo internacional não se submete à Convenção de Montreal”, na qual era analisada a decisão proferida por aquela Turma no REsp 1842066.

No entanto, o que essa notícia, de fato, representa para as ações contra as companhias aéreas de voos internacionais?

Em primeiro lugar, é válido esclarecer que, em relação aos voos nacionais não há dúvidas que as legislações aplicáveis serão o Código Civil ou o Código de Defesa do Consumidor, a depender se no caso em análise haverá ou não relação de consumo a ensejar a utilização dessa última norma.

Contudo, em relação ao transporte aéreo internacional a discussão é um pouco mais complexa.

Isto porque, a Convenção de Varsóvia, de 12/10/1929, promulgada no Brasil em 1931, disciplinando a responsabilidade das empresas de transporte aéreo internacional, fixou os limites para os valores das indenizações a serem pagas por essas empresas nas hipóteses de sinistro ou descumprimento de contrato. Muito tempo depois, em 1999, foi celebrada em Montreal, uma nova convenção, a qual, por sua vez, foi incorporada no Brasil pelo Decreto nº 5910/2006, ampliando a proteção dos usuários de transporte aéreo internacional, mas também fixando limites aos valores das indenizações a serem pagas pelas empresas.

Mas, afinal, tal limitação conflitaria ou não com as demais normas brasileiras (CC e CDC) que preveem a reparação integral da vítima, nos moldes do art. 6º, VI do CDC e arts. 734 e 944 do Código Civil)?

Apesar de ser tema bastante controvertido, o que se passou a entender era que as limitações previstas nos tratados internacionais (sobretudo na Convenção de Montreal) somente se aplicaria às indenizações por danos materiais, de modo que as indenizações por danos morais, então, poderiam ser fixadas livremente pelo juiz, para fins de reparar integralmente os danos suportados pelo passageiro. Até mesmo porque, os prejuízos de ordem extrapatrimonial, pela sua própria natureza, não admitem tabelamento prévio ou tarifação, tal como já se posicionou a jurisprudência do STJ, tendo, inclusive, editado a Súmula nº 281 do STJ, nos seguintes termos: “A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa”.

Nesse ponto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 636.331/RJ, firmou a tese (Tema 210) no sentido de que “Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor”.

Ocorre, porém, que apesar de não ter constado expressamente na referida tese, na ementa do acórdão proferido naquele recurso extraordinário (com repercussão geral) restou expressamente decidido que: “É aplicável o limite indenizatório estabelecido na Convenção de Varsóvia e demais acordos internacionais subscritos pelo Brasil, em relação às condenações por dano material decorrente de extravio de bagagem, em voos internacionais” (STF – RE 636.331/RJ – Rel. Min. GILMAR MENDES, Julgamento: 25/05/2017, Publicação: 13/11/2017).

Tanto é assim que, posteriormente, no AgR no RE nº 1.221.934, da relatoria da Ministra CARMEN LÚCIA, o STF passou a enfrentar sobre a aplicação ou não desses tratados em relação aos danos morais, conforme se vê na ementa desse julgado:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSUMIDOR. TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL. ATRASO. DANOS MORAIS. CONVENÇÕES INTERNACIONAIS DE VARSÓVIA E DE MONTREAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 636.331-RG. TEMA 210. INAPLICABILIDADE. (…)”. (RE 1.221.934 AgR, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 25/10/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-248 DIVULG 11/11/2019, PUBLIC 12/11/2019).

No mesmo sentido, o STJ, também, entendeu pela a aplicabilidade da Convenção de Montreal aos casos de indenização por danos materiais (AgRg no REsp 254.561/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Terceira Turma, julgado em 5/2/2019, DJe 12/2/2019; REsp 218.528/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Quarta Turma, DJe 29/6/2018).

No entanto, no julgado mencionado na notícia supracitada (referente ao REsp 1.842.066), o STJ finalmente se posicionou sobre a aplicabilidade ou não das convenções internacionais para as indenizações por danos morais. Diz-se finalmente, porque no referido acórdão, o próprio Relator alerta que, até então, não havia julgado colegiado versando sobre a aplicabilidade da norma internacional às hipóteses de danos morais, tendo ele, em sua pesquisa, localizado apenas uma decisão monocrática proferida pelo Ministro MARCO BUZZI, no AResp nº 1.415.376/MG, DJE 8/4/2019, na qual afirma que os limites indenizatórios previstos na Convenção de Montreal não se aplicam à reparação dos danos morais, conforme trecho abaixo transcrito:

“Com efeito, ficou assentada apenas a prevalência das Convenções de Varsóvia e Montreal e demais acordos internacionais subscritos pelo Brasil em relação ao Código de Defesa do Consumidor, nas condenações por danos materiais decorrentes de extravio de bagagem em voos internacionais, não se aplicando a tese para as indenizações por danos morais”.

Destarte, seguindo essa diretriz, a Terceira Turma do STJ, então, confirmou esse entendimento, por meio do qual passou a admitir que “As indenizações por danos morais decorrentes de extravio de bagagem e de atraso de voo não estão submetidas à tarifação prevista na Convenção de Montreal, devendo-se observar, nesses casos, a efetiva reparação do consumidor preceituada pelo CDC”. (STJ, REsp 1842066. Rel. Min. Moura Ribeiro, DJ 09/09/2020).

Sendo assim, é de se reconhecer que a tarifação prevista na Convenção de Montreal tem aplicação restrita aos danos patrimoniais, mantendo-se incólume, em relação aos danos morais por extravio de bagagem e atraso de voo, o primado da efetiva reparação do consumidor insculpido nos arts. 5º, V, da CF, e 6º, VI, do CDC.   

E, você, concorda com a não limitação dos valores dos danos morais nos contratos de transportes aéreos internacionais? Escreva abaixo nos comentários.

 

Até o próximo post!

 

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