Em tempos difíceis não há soluções mágicas

 

Olá, queridos leitores, tudo bem?

                Há alguns dias chegou ao meu conhecimento uma decisão judicial com uma brilhante reflexão de um Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo sobre o tempo que estamos vivendo e, por isso, decidi partilhar com vocês alguns trechos dessa decisão, até porque a considerei muito coerente.

                O caso que estava em análise pelo Relator Luiz Guilherme Costa Wagner, no agravo de instrumento nº 2069928-09.2020.8.26.0000, discutia a possibilidade de redução do aluguel durante o período em que o imóvel locado (que era utilizado para a realização de shows e eventos) permanecesse fechado por conta da pandemia do novo coronavírus.

               No início da decisão, o Desembargador faz uma análise do cenário atual que estamos vivendo e conclui que o Poder Judiciário deve ter cautela e parcimônia ao decidir questões envolvendo litígios decorrentes dessa situação:

“É certo que as consequências financeiras da pandemia do COVID 19 serão graves e a todos atingirá indistintamente. Estabelecimentos comerciais fechados, por óbvio, terão seu faturamento reduzido. Prestadores de serviços, impedidos do exercício de suas funções, experimentarão queda de recebimentos. O Estado diminuirá a sua arrecadação ante a dificuldade das pessoas de pagar os impostos. O cenário é alarmante, exigindo muita cautela e parcimônia do Poder Judiciário” (fls. 101, §3º do agravo nº 2069928-09.2020.8.26.0000).

                E, por conta disso, continua afirmando que as relações jurídicas travadas entre particulares também sofrerão impactos por conta dessa pandemia:

“Dentro do contexto acima apontado, é inegável que as relações jurídicas travadas entre particulares igualmente sofrerão abalo. Não podemos perder de mente, porém, que existe uma grande cadeia produtiva formada pelos integrantes da sociedade, de forma que o desarranjo de um setor, pode comprometer o todo.” (fls. 101, §4º do agravo nº 2069928-09.2020.8.26.0000).

                Com absoluta congruência, o Desembargador passa a fazer algumas considerações sobre essa cadeia produtiva e como decisões judiciais irrefletidas podem prejudicar inúmeras outras relações:

 “Exemplifiquemos: Como um pai pagará a escola de seu filho se, em razão de ser profissional autônomo, impedido que está de exercer suas atividades, não recebe remuneração há dias? E se esse pai for alguém que poupou durante toda sua vida para adquirir um imóvel, agora colocado em locação, para com esse valor poder custear os estudos do filho? Sem receber o aluguel, como poderá pagar a escola?” (fls. 101, §5º do agravo nº 2069928-09.2020.8.26.0000).

               E, continua:

“Como a escola, por sua vez, pagará seus funcionários, professores e cumprirá suas obrigações com fornecedores, se passar a não receber os valores das mensalidades que seriam pagas por esses ou outros pais que, por várias outras razões, também não estão recebendo dinheiro? Como os professores e funcionários dessa escola pagarão suas contas e respectivos alugueis, se não receberem o salário que lhes é devido pela instituição de ensino? O que deve, então, fazer o judiciário? Autorizar que o inquilino não pague o aluguel? Dar um desconto no valor desse aluguel? Desconto de quanto? E depois? Autorizar que esse mesmo locador que vive do aluguel que, no exemplo, não teria sido pago – ou pago com desconto – por força de autorização judicial concedida ao inquilino, também possa não mais pagar a escola de seu filho, ou então, pagar a instituição de ensino com o mesmo desconto que o judiciário concedeu no aluguel que recebeu? E depois? Autorizar que a escola que, no exemplo, não teria recebido as mensalidades por força de autorização judicial concedida aos pais, também não pague os salários de seus professores, ou os remunere com o mesmo desconto que sofreu no recebimento das mensalidades? E, por fim? Autorizar que os professores que, no exemplo, não teriam recebido seus salários, ou os tenham recebido a menor, também possam pagar suas contas pessoais com igual redução?” (fls. 102, §1º a 7º. do agravo nº 2069928-09.2020.8.26.0000).

                Concluindo esse raciocínio o Desembargador afirma que tal situação reflete, na verdade, um círculo vicioso, o que impede que as decisões judiciais busquem atender apenas um determinado setor da cadeira produtiva, uma vez que, por estarem todos interligados, ao conceder um benefício para um pode causar grande prejuízo para o outro.

                E, daí, vem a frase que parece concluir todo o seu raciocínio e que, inclusive, inspirou o título desse artigo, a qual deveria nortear a forma como estamos lidando com as diferentes situações vivenciadas durante esse momento: “O MOMENTO É DIFÍCIL E NÃO HÁ SOLUÇÕES MÁGICAS”.  (fls. 103, §1º. do agravo nº 2069928-09.2020.8.26.0000).

                Há alguns dias, escrevi um artigo sobre a possibilidade de enfrentarmos uma crise judicial. É chegada a hora de olharmos para o outro, de nos solidarizarmos com a situação do outro, e, com bom senso, buscarmos juntos a melhor situação para cada caso, até porque, como afirmou a decisão ora analisada: “A sociedade precisará entender que cada relação jurídica privada deverá, por primeiro, ser objeto de análise e discussão individual entre os partícipes do contrato”. (fls. 103, §2º. do agravo nº 2069928-09.2020.8.26.0000).

                E, mais adiante afirma: “Se o bom senso acima proclamado não prevalecer, todos enfrentarão ainda mais dificuldades do que o momento, por si só, já está nos trazendo. Nunca a negociação e a conciliação se farão tão importantes, e apropriadas, como nesse momento da crise do COVID 19. A criatividade, no bom sentido do termo, com elaboração de propostas de parcelamento, moratória de parte do pagamento, remissão de dívidas com compensações futuras, isenção de multas e juros, entre outras estratégias comerciais, devem ser pensadas e exploradas ao máximo pelos contratantes, afinal, o combinado não é caro” (fls. 103, §5º e 6º. do agravo nº 2069928-09.2020.8.26.0000).

                Aliás, como observado na decisão, cada caso deve ser analisado para que, antes de serem concedidos descontos para uma das partes, seja dada a oportunidade para a outra parte também apresentar a sua situação, já que nem sempre o locatário (por exemplo) estará em desvantagem, podendo tal desconto gerar ainda mais prejuízos para o locador, quando ele tiver somente essa fonte de renda.

                E, diante disso, conclui a decisão:

“Dito em outras palavras e em resumo final: o cenário ideal será que as partes que firmaram um contrato tenham maturidade, e acima de tudo, bom senso, para definir um critério a lhes guiar durante esse período de excepcionalidade. Sem querer tirar vantagens do momento, entendendo os problemas do outro e, acima de tudo, reconhecendo que será esse auxílio mútuo em período tão difícil que irá fortalecer relações comerciais cujos benefícios serão por todos auferidos no futuro. Caso infelizmente não seja alcançado esse acordo, o Judiciário, cumprindo sua missão constitucional, estará a postos para o enfrentamento da questão, hipótese em que, repito, o caso concreto deverá ser minuciosamente analisado, sem paixões nem paternalismo, para que, a partir da realidade demonstrada por cada litigante se possa buscar encontrar o ponto de equilíbrio a não desandar a cadeia produtiva da população brasileira.” (fls. 105, §1º e 2º. do agravo nº 2069928-09.2020.8.26.0000).

                Espero que essa decisão tão sensata nos sirva de reflexão para esse momento que estamos vivendo e nos ajude a ter bom senso para resolvermos os problemas que vierem a surgir por conta dessa pandemia.

 

E, você, já tinha refletido sobre a importância do bom senso e da composição amigável nesse momento? Deixe seu comentário abaixo.

 

Até o próximo post!

 

 

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