Olá, queridos leitores, tudo bem?
O erro de divulgação no preço de produtos pode vincular a empresa que o divulgou. Essa é a regra prevista no art. 30 do CDC: “Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado”.
É com base nessa regra, que comumente vemos consumidores ingressarem com ações pleiteando o cumprimento da oferta, com fulcro também no art. 35, I do CDC[1], para que as empresas sejam obrigadas a vender os produtos pelo preço anunciado, ainda que tenha ocorrido algum erro nessa divulgação.
O objetivo dessa regra era obrigar os vendedores a cumprirem a oferta, para evitar que a empresa divulgue um preço inferior para atrair o consumidor, e, depois, na hora desse cliente comprar aquele produto seja surpreendido com a informação de que o preço seria maior do que ele havia visto no anúncio.
Ocorre, porém, que, em algumas circunstâncias, o preço anunciado, na verdade, foi um erro de publicidade do valor, onde notoriamente é possível ao consumidor constatar ter havido um erro grosseiro, como, por exemplo, quando um veículo é anunciado por apenas R$ 1.000,00 ou uma televisão de última geração por R$ 100,00. Em situações como essas é de fácil percepção de que o valor anunciado foi um erro no anúncio. Aliás, para que se tenha uma ideia do oportunismo de alguns consumidores, há ações judiciais nas quais pretendem adquirir determinado produto por R$ 0,00, por terem sido anunciados – por evidente erro de anúncio – por esse valor.
Mas, a empresa é obrigada a cumprir a oferta anunciada, mesmo se tratando de erro grosseiro? Nesses casos, a justiça tem entendido que o consumidor não pode tentar se aproveitar de um erro de divulgação, de modo que a empresa não pode ser obrigada a cumprir a oferta quando se trata de erro grosseiro.
Isto porque, é cediço que esses consumidores tentam se aproveitar da situação, em flagrante violação ao princípio da boa-fé objetiva descrito no Código de Defesa do Consumidor, o qual deve ser interpretado como uma via de mão-dupla, na forma do artigo 4º, III[2], e, por isso, além de proteger o consumidor contra eventuais abusos das empresas, da mesma forma, deve ser observado pelos consumidores.
Aliás, nesse ponto, ensina a Ministra Nancy Andrighi: “o CDC não é somente um conjunto de artigos que protegem o consumidor a qualquer custo: antes de tudo, ele é um instrumento legal que pretende harmonizar as relações entre fornecedores e consumidores, sempre com base nos princípios da boa-fé e do equilíbrio contratual. (…) Recentemente tive notícia de um caso ocorrido com um desses sites que vendem aparelhos eletrônicos pela internet: um televisor enorme de plasma, que normalmente custa mais de R$ 4.000,00, foi anunciado no site do fornecedor a R$ 40,00. É evidente que se trata de um equívoco da loja, mas o consumidor efetua a compra – sentindo-se a criatura mais esperta do mundo – e ainda reclama quando vê que a transação foi cancelada. Um pouco de bom-senso não faz mal a ninguém, e atitudes como essa não contribuem em nada para o delicado equilíbrio da relação de consumo”. (ANDRIGHI, Fátima Nancy. O código de defesa do consumidor 20 anos depois: uma perspectiva da Justiça. In: Revista do advogado, v. 31, n. 114, p. 74-80, dez. 2011).
Mas, afinal, quando as ofertas podem ser reconhecidas como erro grosseiro para não vincular o fornecedor? O critério definido nas decisões judiciais é o bom senso do consumidor, ou seja, quando qualquer pessoa dotada de médio discernimento poderia chegar à compreensão de que a propaganda era simbólica. Nesse caso, não há propaganda enganosa, o que somente ocorre quando é capaz induzir o consumidor a erro e crie nele a expectativa justa de consumo. Para ser tida como enganosa, deve ser recebida como verdadeira pelo consumidor.
Em igual sentido, o STJ recentemente decidiu:
“Diante da particularidade dos fatos, em que se constatou inegável erro sistêmico grosseiro no carregamento de preços, não há como se admitir que houve falha na prestação de serviços por parte das fornecedoras, sendo inviável a condenação das recorridas à obrigação de fazer pleiteada na inicial, relativa à emissão de passagens aéreas em nome dos recorrentes nos mesmos termos e valores previamente disponibilizados. Com efeito, deve-se enfatizar o real escopo da legislação consumerista que, reitera-se, não tem sua razão de ser na proteção ilimitada do consumidor – ainda que reconheça a sua vulnerabilidade –, mas sim na promoção da harmonia e equilíbrio das relações de consumo”. (STJ – REsp 1.794.991 – Rel. Min. Nancy Andrighi – DJ 05/05/2020).
Desta feita, é de se concluir que deve ser afastada a aplicação dos artigos 30 e 35, I do Código de Defesa de Consumidor, quando se trata de evidente erro de divulgação do preço do produto (em valores ínfimos e bem inferiores ao valor de mercado), não podendo ser considerada como propaganda enganosa, por não existir a intenção de prejudicar o consumidor por parte da empresa e nem ao menos existir qualquer frustração por parte do consumidor, haja vista que uma oferta de um produto por valor muito aquém do seu valor de mercado, obviamente, não vincularia qualquer empresa e nem ensejaria a expectativa de qualquer consumidor em adquirir tal produto.
E, você, já viu alguma propaganda com erro grosseiro de divulgação do preço do produto? Escreva aqui nos comentários.
Até o próximo post!
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[1] Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha: I – exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;
[2] Art. 4º. (…) III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;