Olá, queridos leitores, tudo bem?
Há alguns dias eu li uma notícia sobre uma decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, na qual foi arbitrada indenização por danos morais em favor da correntista de um banco por descumprimento de ordem judicial em processo anterior, que havia determinado a redução dos valores a serem cobrados pelo Banco da correntista, limitando tal cobrança ao percentual de 30% dos rendimentos da autora. No entanto, no caso referido na notícia, além do banco cobrar a correntista sobre o valor total da dívida, ainda incluiu o nome da correntista no cadastro de restrição de crédito, motivo pelo qual o TJSP entendeu que o descumprimento da ordem judicial causou prejuízos à autora, condenando o banco ao pagamento de R$ 15.000,00 por danos morais pela negativação indevida[1].
Nesse cenário, alguns poderiam pensar que a multa arbitrada de forma periódica (também conhecida como astreintes), para obrigar o banco a cumprir a ordem judicial, seria suficiente para reparar também os prejuízos sofridos pela autora, sendo indevida a condenação do banco ao pagamento de indenização por danos morais.
No entanto, o que vimos nessa decisão, assim como em outras tantas, é que é possível a cumulação da multa diária e do dano moral em caso de não cumprimento de decisão judicial, tal como preceitua o art. 500 do CPC:
Art. 500. A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa fixada periodicamente para compelir o réu ao cumprimento específico da obrigação.
Diante desse dispositivo legal, é possível concluir que o autor da ação, prejudicado pelo não cumprimento da ordem judicial, pode ingressar com nova ação de indenização por danos morais, sem prejuízo da multa fixada periodicamente, consoante já reconheceu o próprio STJ:
“(…) Cinge-se a controvérsia em definir se é possível prosperar o pedido de indenização por danos morais em razão de descumprimento de ordem judicial em demanda pretérita, na qual foi fixada multa cominatória. (…) Referida indenização visa a reparar o abalo moral sofrido em decorrência da verdadeira agressão ou atentado contra dignidade da pessoa humana. A multa cominatória, por outro lado, tem cabimento nas hipóteses de descumprimento de ordens judiciais, sendo fixada justamente com o objetivo de compelir a parte ao cumprimento daquela obrigação. Encontra justificativa no princípio da efetividade da tutela jurisdicional e na necessidade de se assegurar o pronto cumprimento das decisões judiciais cominatórias. 6. Considerando, portanto, que os institutos em questão têm natureza jurídica e finalidades distintas, é possível a cumulação. 7. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.689.074/RS. Rel. Min. Moura Ribeiro. J. 16/10/2018).
Aliás, o fundamento para tal cumulação decorre da natureza e da finalidade de ambos os institutos, que, como reconhecido no julgado acima, serem distintas. Isto porque, a multa diária é um instrumento cominatório ou coercitivo para induzir o devedor ao cumprimento da obrigação e da decisão judicial [2] , enquanto que a indenização por danos morais tem natureza reparatória, devida em razão da ocorrência de um dano.
A propósito, oportuno destacar a lição de RINALDO MAUZALAS:
“Possibilidade de cumulação da multa coercitiva e da indenização. Não poderia a multa ter natureza indenizatória, a se considerar que o fato a justificar o pagamento de indenização é diverso do que justifica a incidência da multa coercitiva. A indenização é devida em razão do cometimento de dano, enquanto que a multa coercitiva, pela resistência ao cumprimento de uma determinação judicial. A multa (astreintes) assume o caráter coercitivo, para alcançar, pela violência de sua aplicação, resultado específico. Se não realizada a conduta específica, de modo a garantir o adimplemento da obrigação, a multa será aplicada e o seu valor acumulado constituirá obrigação de pagar quantia. De fato, “a multa é medida de coerção indireta imposta com o objetivo de convencer o demandado a cumprir espontaneamente a obrigação. Não tem finalidade compensatória, de sorte que, ao descumprimento da obrigação, é ela devida independentemente da existência, ou não, de algum dano. E o valor desta não é compensado com o valor da multa, que é devido pelo só fato do descumprimento da medida coercitiva. (…) Daí pode ter ocorrido o descumprimento da ordem judicial, mas não ter ocorrido dano, pelo que não haveria o que ser indenizado. Isso se dá porque o fato a justificar a aplicação da multa coercitiva não coincide com o que justifica o pagamento de indenização. São cumuláveis a multa coercitiva e a indenização, conquanto aquela possa ser constituída sem a verificação desta (“Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil”, Coordenadores Tereza ArrudaAlvim Wambier, Fredie Didier Jr., Eduardo Talamini e Bruno Dantas, 3ª Ed. rev. e atual. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 1.417 – sem destaque no original).
Com efeito, é possível concluir que a multa diária tem finalidade exclusivamente coercitiva, enquanto que a indenização por danos morais tem caráter reparatório de cunho eminentemente compensatório, de modo que enquanto a primeira pode ser cobrada pelo simples descumprimento da ordem judicial, a última depende de ter ocorrido um dano moral indenizável por conta de tal descumprimento.
Surge daí um ponto de atenção às empresas que, mesmo diante de uma decisão judicial impondo-lhe uma obrigação de fazer ou não fazer, reiteradamente se negam a cumprir com tal obrigação, uma vez que, além da cobrança da multa diária (pelo tempo em que permanecer inadimplente), a outra parte, prejudicada por sua conduta abusiva pode ajuizar nova ação de indenização por danos morais.
E, você, sabia que seria possível a propositura de ação por danos morais em virtude de descumprimento de decisão judicial? Escreva aqui nos comentários.
Até o próximo post!
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[1] “Ação declaratória e indenizatória com pedido de restituição em dobro de valores. Negativação indevida. Anterior ação, já transitada em julgado, determinando a limitação de descontos a 30% da remuneração da autora. Ré que, em razão de tal limitação, considerou a autora inadimplente. Ilegalidade. Limitação dos descontos que impede a caracterização de mora para valores que superam 30% da remuneração. Decisão limitadora que não pode resultar em situação mais gravosa para a autora. Crédito da ré que não resta abalado. Determinação de retirada do nome da apelante dos cadastros restritivos, sob pena de multa. Restituição em dobro dos valores descontados a maior. Negativação indevida. Dano moral. Quantum fixado em R$15.000,00. Recurso parcialmente provido, com determinação.” (TJSP – Apelação 1009370-27.2019.8.26.0161 – Rel. Des. Roberto Mac Cracken. J. 12/06/2020).
[2] “A multa cominatória é instrumento processual adequado à busca de maior efetividade da tutela jurisdicional, funcionando como mecanismo de indução do devedor ao cumprimento da obrigação e da própria ordem judicial. Não se trata, portanto, de um fim em si mesmo, de modo que seu valor não pode tornar-se mais interessante que o próprio cumprimento da obrigação principal”. (STJ – REsp 1.714.990/MG – Rel. Min. Nancy Andrighi. DJ 16/10/2018).